sábado, 14 de maio de 2011

Quando entrevistei Jack DeJonhette: a clave do jazz

No fim do século XX (parece sério!), eu escrevia colunas musicais e eventualmente fazia entrevistas para a revista Batera&percussão. Nessa ocasião, Jack DeJonhette veio ao Brasil fazer um show com Toninho Horta e, claro, sugeri que fizéssemos uma entrevista com um dos maiores bateristas de jazz de todos os tempos. A entrevista está na edição 22, junho de 99.
“Miles Davis, em sua autobiografia, disse que você é o baterista mais profundo com quem ele já tocou”, eu disse quando Mr. DeJonhette seguiu: “Miles é um grande amigo e um grande músico também. Aprendi muito com ele, desenvolvi muito minha percepção inspirado na visão dele. Também aprendi o que não fazer”. Num outro trecho da entrevista eu perguntei sobre solos: “(...) Num standard, por exemplo, muitos pensam sobre a melodia, outros sobre quadraturas de quatro ou oito compassos... Em que você pensa?”. “Penso sobre frases, melodia, ritmo, som, cores... Penso sobre tudo isso”. Eu tinha a sensação que sua resposta seria assim: ampla e vaga, mas perguntar não ofende, não é mesmo?

O momento mais marcante foi quando ele falava sobre seu interesse em ritmos latinos, pelo estudo de claves e comentei que o samba, assim como o jazz não tinha uma clave, mas ele imediatamente disse: “Oh! O jazz tem clave sim. O jazz, o swing vem da África, do 6/8 (batucando na mesa), 6/4 na verdade...”
Eu transcrevi o que ele batucou na mesa (parte acima), uma variação do Bembe, 12/8 enquanto frase quaternária, mais normalmente chamada 6/8 como natureza de subdivisão ternária interna de cada pulso, o que chamamos de compasso composto na teoria musical brasileira. Enquanto batucava o afro-cubano ele batia o pé direito no chão (bumbo) e o esquerdo nos tempos 2 e 4 (Hi-hat). Então começou a cantar um Tin Tinti Tin, o prato do jazz, mantendo o bembe e incorporando-o ao jazz...    

Por trás de um 4/4 de jazz há uma tribo africana tocando ritmos compostos, matrizes do afro-cubano de subdivisões ternárias. Dentro de cada semínima vivem três notas, fazendo com que o grupo binário seja pronunciado de forma ternária, a famosa colcheia do jazz, com “swing”. Ficam questões como: qual o conceito de clave para Mr. DeJonhette? Nesse sentido, qual é a clave do samba? O samba ou o baião tem claves?
Dá o que pensar, não é verdade? Mas vamos deixar essa conversa sobre o conceito de clave para outra postagem.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Tocando Jazz em Samba: Conexão com o Público


Fazer um arranjo que proponha a mudança do ritmo de uma música de seu estilo original para outro pode ser interessante musicalmente e, em certos contextos, ajudar a estabelecer mais conexão com o público. Ainda que a harmonia, o ciclo de acordes que é o corpo da “voz” chamada melodia seja mantida, o ritmo que é sua “estrutura óssea” toma novos rumos agora que inserido numa outra “natureza” de subdivisões. No standard de jazz “Yesterdays” (vídeo abaixo), um arranjo simples que fiz baseado na mudança rítmica do jazz e sua natureza de subdivisão ternária para samba e sua natureza quaternária, com alguns deslocamentos do ritmo da melodia, convida os músicos improvisadores e todo grupo a uma brincadeira musical que demanda conhecimento de ambos os estilos.

O outro ponto a que me referi é a conexão que se estabelece com o público. Para o músico ou grupo de jazz que quer ampliar esta ligação, tocar músicas que todos conhecem em determinada cultura é uma das maneiras de fazer isso acontecer. A reação do público é imediata, como nesse show em Indiana, nos EUA, quando o standard de jazz  Yesterdays de Jerome Kern (não confundir com a linda balada “Yesterday” dos Beatles) foi tocada  em sua forma original e em seguida em sua ‘nova roupa tropical’. A conexão com o público é muito importante e sem ela parte da mágica se perde, uma vez que a música que um grupo (ou um solista) produz não vai até o coração das pessoas e retorna criando um movimento em espiral de energia positiva. Parece conto de fadas, mas não é... Afinal há algum músico no mundo que queira tocar para uma sala vazia? Algum grupo que quer mais gente no palco do que na audiência?


O vídeo: Tom Walsh ao sax tenor, Jeremy Allen, baixo, Marcelo Gomes, guitarra, e eu na bateria em Bloomington, 08. A câmera estava um pouco distante, então o nível de ruído está muito mais alto do que ao vivo, no momento em que tocávamos.  Reparem na primeira exposição muito bonita do tema em bloco, com muita flutuação rítmica feita por Marcelo e com o Jeremy já em walking bass. Então, tocamos o tema mais uma vez já em samba, seguido de improvisação do sax, baixo e um ‘chorus’ de bateria para a volta do tema. Enjoy!