sábado, 26 de março de 2011

“Todo músico cubano toca percussão”... de uma conversa com o mestre Chucho Valdés

                            
Chucho's Steps - novo CD

Chucho Valdés, líder do grupo Irakere e ministro da cultura em Cuba nos anos 90, me disse numa conversa informal que “todo músico cubano toca percussão”. Todos os músicos, certamente cada qual em seu nível devido à sua especialização, mas todos com noções claras dos ritmos cubanos, o maior patrimônio de sua música.

Como professor de música no ensino superior por 15 anos,  penso que o curso de música (popular ou erudito) deveria ter um ano de piano e um ano de percussão como matérias curriculares, não optativas, para todos os estudantes. Mas, independente disso, o que de fato, sempre me deixou curioso é, em geral, a falta de interesse do baterista – e não importa o estilo com o qual trabalhe – em relação à percussão brasileira, seus instrumentos, combinações, sua diversidade incrível. É preciso tocar os instrumentos, pandeiro, zabumba, berimbau, tamborim (e por aí vai...)? Não. 

Não é questão de ser preciso ou necessário para o baterista que quer tocar samba, por exemplo, tocar todos os instrumentos de uma escola de samba. Estou falando sobre conhecer a nossa própria tradição, nossa história, um pouco do itinerário dos ritmos brasileiros, suas principais linhas e funções dentro dos grupos de percussão onde foram desenvolvidos. Estou fazendo uma reflexão sobre perceber a conexão entre a bateria e a percussão, esse luxo, essa riqueza, esse patrimônio que pessoas no mundo inteiro admiram e querem aprender, e que alguns de nós, músicos brasileiros, bem, não estamos tão interessados assim.

Viver quatro anos nos EUA (2006-2010), aonde ser um especialista em música brasileira tornou-se minha profissão, fortaleceu minha visão do "produto" que é nossa música na 'América' e na Europa. Quando eu falava que era baterista e brasileiro, era sempre motivo de alegria e de muita expectativa para saber sobre os ritmos brasileiros. Para mim tudo isso foi muito natural, porque já era meu objetivo no Brasil tornar-me um conhecedor de nossa cultura musical, o que sigo fazendo dia após dia, pesquisando, tocando e estudando. Para outros, serviu de estímulo para conhecer o Brasil de fora do Brasil, como contam muitos músicos... 

Uma outra coisa importante que percebi é que, de novo, alguns de nós, brasileiros, temos o péssimo hábito de “cuspir para cima”. É preciso estar atento em relação a isso, uma vez que há muita coisa boa à nossa volta que já não conseguimos mais “ver”, a começar pela relação humana que temos por aqui e pela nossa cultura musical. “Aqui vocês tem a vantagem de ter uma música que é rica em tudo: harmonia, melodia, ritmo e isso é muito bom”, me disse Horácio “El Negro” Hernandez numa entrevista que fiz anos atrás, numa conversa com esse outro músico cubano espetacular... Mas essa história, conto numa outra postagem.

domingo, 20 de março de 2011

De uma aula com Keith Copeland: A Intenção Musical

Nos anos 90, participei do Banff Jazz Workshop, no Canadá, e tive aulas de bateria com Keith Copeland, famoso baterista de jazz de Nova Iorque que tocou e gravou com muitos artistas importantes como Milt Jackson, Stan Getz, George Russel, Paul Bley, Ernie Watts, o pianista Hank Jones e muitos outros... Jones não é coincidência não, ele é irmão do Elvin Jones, um dos maiores e mais influentes bateristas do jazz a quem todos nós conhecemos. “I’ve made six records with him (Hank) and he is one of the greatest musicians I have ever played with”, Keith diz em sua biografia. Uma dessas gravações é o CD, “Lazy Afternoon”, do qual fiz algumas transcrições e que é um disco muito bonito. Todos solam em quase todas as faixas, com exceção da bateria em duas ou três baladas.

Numa aula com Keith, eu perguntei sobre escovas no compasso ternário lento, como na canção “A Child is Born”. Ele me mostrou o movimento básico que fazia e algumas possibilidades de variação. Depois me olhou e disse que numa balada como aquela e que baladas de uma forma geral falam sobre amor, em suas letras e através de suas melodias. “You should play brushes with love, Sergio”, ele disse e sugeriu que eu praticasse os movimentos e que estudasse sempre que pudesse, mas que “escovasse com amor.” Talvez pareça um ensinamento simples (?), mas do qual nunca esqueci: ‘tocar com a intenção musical clara na mente e com o coração nas mãos.’

Keith, http://www.keithcopeland.com, tem de mais de 100 gravações de jazz em seu currículo, o livro “Creative Coordination for the Performing Drummer”, onde aborda o estudo do jazz em diferentes andamentos (bem interessante) e segue tocando com músicos em turnês pela Europa e USA. Hoje ele vive em Colônia (Koln), Alemanha e é professor da Hochschule fur Musik Koln, uma das escolas onde dei workshop na Europa, mostrando como estudar ritmos brasileiros através do meu livro “Novos Caminhos da Bateria Brasileira” em sua versão inglês/espanhol. Para mim foi uma grande alegria ter Keith Copeland presente em um de meus workshops.

segunda-feira, 14 de março de 2011

O que a música pede... Comentando entrevista de Esperanza Spalding

Como assim 'o que a música pede'?
Uma balada pede ao baterista uma levada mais suave, pede por um instrumento com o som mais aveludado para a melodia, como sax tenor em região média, piano ou guitarra acústica... Pede por baixo acústico ou fretless, por escovas (ou vassourinha), um prato com ‘chuveiro’, pouco bumbo e sempre suave, sem excesso de ornamentos mesmo que com as 'vassourinhas'... Muita movimentação ainda que com pouco volume, pode deixar a condução ansiosa e, provavelmente, não é isso o que a música pede... Talvez ela peça um pouco menos ‘você’ e mais pela “sua” melhor contribuição para ‘aquela música’ e para ‘aquele arranjo’.

Em uma entrevista muito interessante, dada a Jeff Potter pela baixista/vocalista/compositora, Esperanza Spalding  - http://www.esperanzaspalding.com - para revista Modern Drummer americana e publicada pela MD brasileira em fevereiro de 2011, ela diz “... Procuro por pessoas que conseguem pensar como arranjadores quando estão tocando uma música individualmente e também como um todo (em um show), (em grupo no meu entendimento, eu, Sergio) permitindo que cada música tenha sua própria vida e identidade. Espero que os bateristas sejam livres o suficiente quando estão tocando e ouvindo para trazerem ‘o que a música está pedindo’. Muitos bateristas tendem a pegar tudo que sabem e querem usar, mas o difícil mesmo é aprender a contextualizar tudo que você sabe e ‘editar’ as coisas para o bem da música, saber o quê e quando usar.”

Como baterista, e penso que isso vale para qualquer músico, quantos mais recursos você tiver, em princípio, mais interessante pode ser sua contribuição, tocando e ‘ouvindo’ sempre. Por outro lado, selecionar o que usar evitando exageros desnecessários e quando usar, valorizando a contribuição do instrumento para a música e seu arranjo, é essencial. Se for um groove feroz de funk que a música pede, então dê isso a ela e prazer ao público, que é um dos nossos principais objetivos, mas pense sempre um pouco como um arranjador e ouça toda a música e o que todos os músicos estão tocando. Não se preocupe, sempre há um espaço para alguma coisa mais especial, mais com a ‘sua cara’ que você pode usar, que você pode “dar àquela música.”

segunda-feira, 7 de março de 2011

IAJE - Toronto (2008)

Olá para todos os amigos e novos amigos com quem quero conversar e trocar idéias sobre música, em especial sobre bateria sob o ponto de vista técnico, didático e musical, através deste novo espaço.


Vou começar contando sobre esse evento que participei em 2008, no Canadá e de onde vieram os trechos abaixo de uma filmagem feita por Veronika Gruber, diretora da Advance Music- http://www.advancemusic.com/, no IAJE (International Association for Jazz Education) em Toronto. Foi um evento ótimo e tive uma banda incrível no palco comigo durante o workshop, com Don Thompsom -   http://www.canadianjazzarchive.org/en/musicians/don-thompson.html (essa lenda do jazz canadense que tocou com Jim Hall e Bill Evans) no contrabaixo, Tom Walsh, sax e Marcelo Gomes, gutarra.

Muitos músicos que conhecemos de CDs que adoramos, de repente, apareciam à minha frente. Terminado o workshop, por exemplo, muitas pessoas vieram me cumprimentar e entre elas Danny Gottlieb. Quando chegou, disse que adorou o workshop e que queria me levar para Flórida, onde é professor na Universidade. Eu reconheci seu rosto, mas quando li seu nome no crachá, lembrei-me ouvindo American Garage, do Pat Metheny, Big band do Gil Evans e muitas outras gravações que eu gostava. Então eu disse “Eu sou seu fã!”. “How nice!”, ele disse e me pegou pelo braço para que eu conhecesse os representantes da Zildjian em seu stand... Randy Brecker e Dave Liebman também estavam por lá... Passei pelo Liebman num corredor entre os stands e ele disse “Hi, Sergio, how are you doing?”. Ele me conhecia pela foto do meu livro que é distribuído nos EUA pela companhia que tem com sua esposa, Caris Music Service, (http://www.carismusicservices.com/). Batemos um papo longo e divertido sobre música, músicos e, claro, contamos piadas musicais.

Passei o resto da tarde autografando livros no stand da Advance e recebendo a visita de amigos brasileiros como Lupa Santiago e Antônio Mário, o Jovino Santos (outro de quem eu já gostava muito do trabalho desde seu tempo com Hermeto Pascoal). Fiquei feliz ao saber que uma parceria entre a Advance Music e a recém constituída Editora Souza Lima se estabeleceu e livros como, por exemplo, “Melodic Interpretation for the Drumset”, do meu amigo e grande músico, Carlos Ezequiel - http://www.carlosezequiel.com/, esteja lançado no mercado internacional.
Bem, esse texto é só para dar uma idéia geral do evento onde foram feitos esses pequenos vídeos e para deixar no ar um espírito positivo e de colaboração entre os músicos brasileiros aqui e no exterior. Afinal, somos uma grande comunidade.

Aguardo comentários e impressões para mantermos a conversa em dia.
Um abraço, Sergio

Workshop Canadá 2

Workshop Canadá 1

domingo, 6 de março de 2011

Novos Caminhos da Bateria Brasileira

Nesta postagem quero contar a você sobre o processo de elaboração de meu livro, “Novos Caminhos da Bateria Brasileira”, e sobre como eu não decidi que escreveria um livro sobre ritmos brasileiros, mas o fiz por necessidade... Como assim?
Num congresso de jazz latino na República Dominicana, fiz um seminário sobre meu livro e que responde a pergunta que acabei de fazer. Segue abaixo uma das seções de minha apresentação.

Seção VII: Por necessidade...
“Novos Caminhos da Bateria Brasileira” foi escrito a partir de minha própria necessidade de ensinar e estudar ritmos brasileiros fazendo uso das técnicas pedagógicas utilizadas em outros livros que fizeram parte de minha própria formação, com objetos de estudos diversos, mas todos com o objetivo de auxiliar e me guiar no desenvolvimento como músico especialista no instrumento bateria.

Além de pesquisar livros sobre a cultura brasileira e incontáveis gravações, consultei diversos percussionistas e especialistas em suas áreas no Brasil em busca de informações, confirmações e contradições sobre variações rítmicas intermináveis de um ritmo como coco, por exemplo, que em diferentes regiões do país, é tocado de formas particulares. Não há verdades finais, é claro, mas houve uma incessante busca por matrizes de cada um dos ritmos e por maneiras interessantes de explicar e propor estudos para bateria com o máximo de consciência da percussão, prática inovadora no estudo da bateria brasileira, enquanto processo didático.

Como professor há vinte anos, dia após dia, eu tive a oportunidade de perceber o grau de dificuldade que o estudante enfrentava diante dos exercícios e repensar, corrigir e criar uma nova seção que preparasse para a próxima, e assim por diante. Nesse processo surgiu o conceito da independência técnica, fraseológica e musical, que traz de fato, resultados, não só para o estudo de ritmos brasileiros e que representa uma inovação didática, uma proposta de estudo que se faz passo a passo, para o amadurecimento da coordenação, da consciência das divisões rítmicas, do repertório fraseológico e do discurso musical.

Finalmente as “claves brasileiras”, busca influenciada pela bateria afro-latina, dos ritmos cubanos somada à ambidestria, são inovações musicais com certos antecedentes de bateristas com suas combinações entre samba e baião, mas nesse capítulo levadas bem mais a fundo e que então representam um novo campo de pesquisa e inédita proposição feita por uma publicação especializada em bateria brasileira.